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Questão de saúde

Dicas de convívio e manejo de crianças com síndrome de Asperger

O material abaixo foi desenvolvido inicialmente para professores e escola, como recurso que facilite o entendimento do perfil e das necessidades especiais da criança com síndrome de Asperger. A introdução é composta da tradução do trecho de um livro cujo autor é autoridade no assunto, seguida de uma lista prática (elaborada pela autora do blog, psicóloga e pesquisadora do assunto) repleta de dicas de manejo da criança com Asperger, com exemplos que facilitem a compreensão das situações apresentadas e comumente encontradas no dia a dia de quem convive com a criança.

Uma ideia aos pais é que compartilhem esse material com o professor sempre antes do início do ano letivo, e o utilizem como ferramenta de apoio para conversar com a escola sobre as necessidades da criança com Asperger.

No entanto, embora os pais sejam aqueles que sabem em primeira mão como é a realidade do dia a dia com a criança, até mesmo eles podem se beneficiar das informações a seguir, para ampliar sua compreensão técnica do quadro e colher mais dicas, que podem facilitar significativamente a qualidade de vida de todos.

A utilização desse material se estende, ainda, a familiares, amigos e todos aqueles que precisem compreender melhor o funcionamento da criança que esteja no espectro do autismo, particularmente as com síndrome de Asperger.

 

Trecho do livro: THE AUTISM DISCUSSION PAGE: ON ANXIETY, BEHAVIOR, SCHOOL AND PARENTING STRATEGIES (PÁGINA DE DISCUSSÃO DO AUTISMO: SOBRE ANSIEDADE, COMPORTAMENTO, ESCOLA E ESTRATÉGIAS PARA OS PAIS), de Bill Nason

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“A ajuda começa e termina com entendimento. A coisa mais importante que um professor pode fazer para ajudar uma criança com a Síndrome de Asperger é aprender sobre a desordem, para que os comportamentos em sala de aula e problemas durante o aprendizado sejam compreendidos e não mal interpretados. Assim como a honestidade direta típica em Asperger pode ser interpretada como rudeza, também as ações pouco usuais de uma criança com a síndrome podem ser interpretadas como comportamento disruptivo.

É importante lembrar que uma criança com Asperger não tem a mesma capacidade de verbalizar/comunicar suas necessidades como o faz uma criança típica, então o professor deve poder ajudar essa criança a identificar o problema subjacente, que poderia ser um barulho ou cheiro incômodo (incluindo aqueles que nem sempre percebemos), uma frase ou palavra com associações negativas, frustração quanto a algo que não funcione perfeitamente, algum tipo de roupa que incomode, etc.

Os problemas de comportamento de crianças do espectro autista podem se apresentar de muitas formas, incluindo birras, andar ou correr pela sala, desatenção, pular, gritar ou fazer sons estranhos, atividades de autoagressão, cobrir o rosto, olhos, boca ou ouvidos, jogar coisas no chão ou pela sala, falar consigo mesmas, colocar ou tirar peças de roupa, engajar em atividades ou movimentos repetitivos, dentre outras coisas. Pacientemente avaliar a situação e tentar encontrar o foco do incômodo é a chave, e manter registros de comportamentos inadequados pode ser muito útil para ajudar a identificar os gatilhos de ansiedade (hora do dia, tipo de atividade, local, etc.).

Entender a situação ajudará o professor a modificar seu comportamento de forma a evitar problemas em potencial. Por exemplo, estar ciente de que crianças com Asperger geralmente são literais e buscam “exatidão, perfeccionismo”, é importante. Para uma criança que pensa dessa forma, imagine as dificuldades que podem surgir se o professor disser: “Não se mexam até eu voltar” ou “Pinte esse quadro da mesma cor da parede”. Gírias são um problema.

Aceitar o “mais ou menos, o conceito aproximado” das coisas permite que a maioria das pessoas siga adiante e complete as tarefas. Para uma criança com Asperger, no entanto, tais instruções podem levar à frustração: não poder se mexer por um tempo mais longo será impossível, as cores dos lápis não são exatamente da cor da parede. Assim, a frustração levará à raiva e ao comportamento disruptivo, não por más intenções, mas por uma tentativa honesta de seguir uma demanda impossível.

Crianças que estejam inseridas no espectro do autismo têm estilos de aprendizagem que, muitas vezes, diferem do que geralmente funciona para alunos sem o transtorno. É importante que o professor conheça o funcionamento dessas crianças, para que as estratégias de ensino surtam efeito e para que sejam avaliadas adequadamente.

A criança com Síndrome de Asperger pode se sentir mais à vontade para participar de atividades acadêmicas do que para brincar (o recreio pode ser fonte de profundo stress e não raro preferirão passá-lo na companhia do professor). Pode ser mais fácil lidar com a estrutura explícita de uma tarefa de aprendizagem, desde que não seja essencial a interação social com outras crianças (certamente preferirá trabalhos individuais e apresentará stress e inabilidade em atividades de grupo).

Devido à natureza sutil e penetrante da limitação, o professor também precisará atuar num nível igualmente sutil e penetrante, para estar presente na construção do dia da criança, exercendo, quase sempre, a função de tradutor, intermediário e amigo, para além do seu papel clássico de professor.

É importante que exista um diálogo entre o professor e os profissionais da saúde que estejam acompanhando a criança, bem como com a família, que geralmente funciona como recurso informativo importante sobre o funcionamento da criança”. (Bill Nason, 2014)

De modo prático e resumido, o quadro a seguir apresenta uma lista dos principais cuidados que o professor que lida com crianças do espectro autista precisa observar:

PARA O PROFESSOR

CHECKLIST DE CUIDADOS ESSENCIAIS COM ALUNOS NO ESPECTRO AUTISTA, COM FOCO NA SÍNDROME DE ASPERGER

Por Audrey Bueno

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1 – Um dos principais fatores causadores de ansiedade e desorganização interna em crianças do espectro autista é o fator sensorial: barulhos, muitas vozes juntas, insistir em continuar falando com a criança quando ela já demonstra sinais de ansiedade, tocá-la, segurá-la, abraçar forte ou pegar no colo, esbarrar nela, puxá-la pela mão ou braço, luzes fortes, cheiros (perfumes, produtos químicos, alimentos), ambiente agitado com muita conversa ou gritaria, impossibilidade de retirar-se para um local mais calmo e longe do grupo quando necessitar, roupas ou acessórios de vestimenta incômodos, temperatura do ambiente, tudo isso pode causar uma hiperestimulação sensorial que descompensa a criança, aumentando muito seu nível de stress e ansiedade, levando a comportamentos exacerbados do espectro autista frente a situações difíceis: fechar-se em si mesma, desligar-se das atividades do ambiente, falar sozinha, focar a atenção em algum objeto ou brincadeira repetitiva, gritar, tornar-se irritadiça ou agressiva (às vezes, auto agressiva, ou seja, ferindo a si mesma), dentre outros sinais de ansiedade típicos do autismo, conforme item 6 dessa lista.

2 – Outro fator central causador de ansiedade é a interação social. Momentos que são geralmente agradáveis para crianças típicas, podem ser um pesadelo para crianças com Asperger. Dentre esses momentos estão o recreio, as brincadeiras em grupo, festas ou o caos da hora da entrada e saída da escola. Estas crianças preferem a estruturação e calma da sala de aula, em períodos de atividades pedagógicas, pois são momentos mais previsíveis, tranquilos, com barulho e agitação reduzidos e sem a necessidade de lidar com as surpresas e incertezas da interação social. O próprio fator sensorial contribui para um maior retraimento social, pois grupos, principalmente de crianças, tendem a ser barulhentos, além da natureza das brincadeiras ser mais agressiva e física, coisas que incomodam e assustam a criança com Asperger.

3 – O fator surpresa deve ser evitado: mudança e falta de previsibilidade causam ansiedade e pânico. Se a criança for pega de surpresa diversas vezes, pode acabar não querendo mais frequentar a escola pela insegurança de nunca saber ao certo o que vai acontecer por lá. É preciso explicar cada coisa diferente que for ocorrer antes de ocorrer, trabalhando a mudança de forma gradual, preparando a criança de forma que ela saiba o que esperar. Não partir do pressuposto de que a criança sabe o que vai acontecer apenas por uma introdução sem maiores detalhes. Por exemplo, a criança até concordou em participar dos ensaios para a apresentação de uma data festiva na escola. Durante os ensaios, estão presentes poucas pessoas – professor e colegas – , o ambiente está vazio, tranquilo, e a música é tocada mais baixa, inclusive porque o professor já foi alertado quanto à sensibilidade auditiva da criança e, respeitando isso, toma o cuidado de pôr a música num volume mais ameno. Então, perguntam à criança: ‘Você vai querer dançar no dia da apresentação?’ A criança responde que sim, afinal, no entendimento literal dela, todo dia de ensaio tem sido ‘dia de apresentação’. A dança e a música tem sido sempre iguais, portanto, por que não participar, certo? Errado. Os detalhes de cada evento devem sempre ser explicados. No exemplo, o que não foi explicado a essa criança é que o ‘dia da apresentação’ é um dia DIFERENTE, que haverá muito mais gente, que são pessoas que ela não conhece (os pais e familiares dos colegas), a música estará mais alta, o ambiente estará muito mais lotado e barulhento, haverá uma salva de palmas calorosa (assustadora para uma criança com Asperger) e ela não vai poder parar tudo para ir ao banheiro.

E, como já podemos imaginar, ela provavelmente dirá que não quer participar, o que deve ser respeitado e jamais se deve insistir. Dar à criança voz para dizer o que a incomoda é uma estratégia importante de sobrevivência que ela vai precisar desenvolver na vida, e ela só a desenvolverá se ouvirmos e respeitarmos suas escolhas. Isso significa para escola e pais que terão que abrir mão de certas convenções ou expectativas sociais, que não terão aquela filmagem bonitinha de apresentação do “Dia do Índio”, que serão alvo de olhares ou perguntas dos outros pais, mas é importante lembrar o que é mais importante: sacrificar o bem-estar da criança e expô-la ao pânico para cumprir com as expectativas dos outros, ou respeitar e acolher sua fragilidade, aceitando-a como ela é e ensinando-a a abraçar sua individualidade e ter orgulho de si mesma.

Festas são geralmente motivo de forte ansiedade para as crianças do espectro autista, pois são uma combinação de fatores sensoriais bastante estressantes para elas, dentre eles: barulho, muitas pessoas juntas (falando, se mexendo, gritando), toques, esbarrões, pessoas lhes dirigindo a palavra e esperando respostas sobre assuntos que ela não compreende muito bem, configurando a expectativa de interação social e pressão constante, agito e sensação de não ter um local calmo e seguro para se retirar quando o stress estiver intenso. Além disso, as festas com temas podem conter elementos surpresa que costumam ser assustadores para estas crianças: podem haver balões sendo estourados, crianças brincando de forma intensa (correria, gritaria, empurra-empurra, etc., principalmente quando há jogos ou competições, como em festas juninas ou gincanas), Papai Noel chegando de surpresa, Coelho da Páscoa pulando na frente da criança, palhaço puxando a criança pela mão ou levantando a criança no colo, brincadeiras populares como “Olha a Cobra” (todos gritam e se assustam), Dança de Quadrilha em Festa Junina (passar num túnel de gente pode ser assustador), etc.

4 – Dar sempre à criança a opção de não participar se não quiser, para que sinta a segurança de saber que não será obrigada a permanecer em situações estressantes demais para ela. Uma estratégia recomendada é sempre informar à criança o que vai acontecer e perguntar se ela deseja ou não participar, dando sempre duas opções concretas para ela escolher, por exemplo: “Todos irão agora fazer uma brincadeira de bola na quadra. Vamos jogar a bola uns para os outros, correr e fazer exercícios. Você quer participar ou quer ficar com a Professora “X” no lugar “Y”?” – Pode-se perguntar: “Você gostaria de apenas assistir?” E, em caso de respostas negativas, deve-se sempre dizer: “Tudo bem, não tem problema se você não quer participar. Você vai ficar com a professora “X” no lugar”Y” e, se mudar de ideia, é só pedir à professora para te levar na quadra, tudo bem?” – O tom neutro e a escolha das palavras (as sugeridas são ideais) ao perguntar se a criança deseja participar é muito importante, pois não pode haver insistência. Crianças inseguras e ansiosas podem concordar em participar sem que de fato queiram, por medo de contrariam o adulto que fala com elas em tom de poder, insistência e com elevação de voz. Isso é muito perigoso, pois uma fobia escolar e social pode se instalar. É importante lembrar que esse tipo de fobia é especialmente comum em crianças com Asperger, portanto, todo cuidado é pouco. Uma analogia que pode ajudar a entender como deve ser o trato com essas crianças é imaginar que seja como passarinhos silvestres: se falar alto, apertar, gargalhar, tentar pegar, o passarinho voa para longe, assustado. Se deixar as migalhas de pão (as oportunidades de participar) disponíveis para quando o passarinho quiser pegar, há maiores chances dele se aproximar. Cuidado com frases do tipo:

– “Vamos lá! Agora vai todo mundo!” (a criança pode se sentir acuada e entender literal, ou seja, já que todos irão, ela terá forçadamente que estar no meio);
– “E se a gente for só hoje?” (insistência)
– “Ah, mas você vai perder a brincadeira de bola???” (tom que indica que a criança está fazendo algo errado)
– “Meninos, para a quadra!” (tom de ordem e que, novamente, além de deixar a criança acuada, também a deixa confusa, se ela for um menino, por exemplo)

5 – Aplicar estratégias de “descompressão” do stress: o silêncio é sempre a melhor medida, mas sabemos que nem sempre é algo possível num ambiente coletivo como a escola; é preciso poder identificar quando há ansiedade e oferecer à criança recursos para relaxar, como ter um canto tranquilo em que possa se recolher sempre que precisar, suavizar demandas e dar a opção de fazer novamente uma atividade mais tarde se quiser, simplificar/modificar orientações e tarefas, encurtar o tempo em que se continua solicitando uma mesma coisa em que a criança já demonstra relutância, alternar exigências com atividades livres, controlar barulhos e agitação do ambiente, estar atento à temperatura, cheiros, iluminação no local, sempre lembrando de oferecer um outro lugar mais tranquilo à criança caso o ambiente não tenha como ser controlado naquele momento, o que é comum quando as crianças estão participando de alguma atividade mais agitada, como jogos, atividades físicas, etc. Permitir que a criança tenha acesso a um objeto preferido, como um paninho, chupeta ou brinquedo especial, também pode ajudar bastante.

Um recurso simples e que pode funcionar bem ao propósito desse item é ter um espaço com almofadas diversas (dependendo da infraestrutura, pode até ser num cantinho da própria sala de aula, atrás de uma estante de livros para dar alguma privacidade, por exemplo), e estabelecer uma regra geral de que caso alguém se sinta cansado, pode ir deitar um pouquinho na almofada, mas que se for lá é preciso ficar quieto e fazer silêncio, pois é uma área de descanso. Apresentar o novo cantinho das almofadas como regra de acesso geral ajuda a criança com Asperger a não se sentir alvo dos olhares dos colegas, pois as almofadas são para todos, ajuda as outras crianças a não se sentirem enciumadas por entenderem o novo espaço como algo criado apenas para “uma criança” e, ainda, todos podem se beneficiar do clima de acolhimento e respeito às necessidades de cada um e a sala ganha um ar mais aconchegante e humano.

Na vida, o convívio com pessoas mais sensíveis nos ajuda a desenvolver nossa própria sensibilidade e humanidade. Uma criança com Asperger pode ter muito a contribuir nesse aspecto, nos ensinando a valorizar pequenas coisas e a atribuir-lhes grandes significados. Instituições que sigam um padrão rígido de funcionamento, incapaz de abraçar a individualidade, não são escolas recomendadas a crianças com quaisquer tipos de sensibilidades extras, incluindo as com síndrome de Asperger.

6 – Aprender a reconhecer os sinais de ansiedade e desconforto, que são, muitas vezes, demonstrados pela criança de forma diferente do padrão encontrado em crianças sem o transtorno. Crianças do espectro autista têm dificuldade em expressar o que estão sentindo. Isso significa que em vez de chorar e falar diretamente que não gostou ou que quer algo, esta criança pode simplesmente ficar paralisada, engajar em atividades repetitivas, estereotipias (movimentos repetitivos das mãos, falas repetidas, etc.), falar sozinha ou dizer coisas sem muito sentido, parecer desatenta (fechada em si mesma), focar a atenção em algo simples e mecânico, como um objeto que abre e fecha, texturas de alguma coisa do ambiente ou brincadeiras simples. Podem ainda gritar, pular ou falar sem parar como se estivessem hiperativas ou exageradamente felizes, bem como querer ir muito ao banheiro ou tomar muita água, geralmente como estratégia para se ausentar do local ou interromper uma atividade, afastando-se dos agentes estressores. Elas nem sempre têm consciência do que as incomodam e podem “culpar” outras coisas ou pessoas que nada têm a ver com a questão, muitas vezes de forma rude, quanto maior for o nível de ansiedade. É preciso compreensão nesse momento, lembrando que tal atitude não é intencional.

 

A seguir, estão outras ações importantes de serem consideradas pelo professor:

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• Antecipar o que irá causar ansiedade e fazer as alterações necessárias. A melhor medida é evitar a ansiedade sempre que possível. Achar que a criança ‘precisa aprender a lidar com isso’ – o que é uma postura comum com crianças típicas – e, portanto, expô-la à situação difícil para que ‘enfrente’ o problema pode ser muito perigoso. Em vez de enfrentar a situação, a criança com Asperger pode desenvolver uma fobia debilitante. O tempo da criança deve sempre ser respeitado. O enfrentamento deve ser estimulado de modo muito gradual, ou seja, em pequenas doses de cada vez, sempre perguntando à criança se ela deseja participar e sempre informando previamente o que irá acontecer, como já descrito no item 4 da lista acima. Também é importante que seja no momento certo, que nunca é quando algum stress anterior já tiver ocorrido ou após um longo dia. Se, por exemplo, a criança já esteve exposta ao barulho e agitação do recreio, um colega a empurrou ou uma pessoa estranha veio fazer uma palestra na escola, este certamente não será um bom dia para querer que a criança enfrente o seu medo de festas, querendo que participe de uma logo mais, afinal, seu sistema nervoso já estará suficientemente sobrecarregado pelos eventos anteriores.

• Compreender a capacidade limitada da criança para entender o funcionamento social e sempre explicar o que aconteceu para ela. Por exemplo, ela pode não compreender o conceito de “foi sem querer” e bater no colega que havia apenas esbarrado nela por ter entendido aquele esbarrão como agressão. Ser tolerante com o fato de que ela pode não entender mesmo após a explicação e maleável, não forçando a criança a pedir desculpas se não entendeu o porquê. Pode-se dizer ao colega que esbarrou sem querer algo do tipo: “O Paulo está nervoso e não consegue pedir desculpas agora, vamos esperar que se acalme primeiro.”, já afastando as crianças uma da outra disfarçadamente.

• Não insistir para que a criança dê “oi” e “tchau”. O adulto deve sempre servir de modelo, cumprimentando e se despedindo, mesmo que não obtenha resposta, mas de forma breve, sem insistir e mudando logo o foco, até que um dia, por imitação, a própria criança resolva começar a fazê-lo por si só, o que pode levar anos em comparação às crianças sem o transtorno.

• Intermediar e direcionar a interação da criança com os colegas de sala, como forma de contornar a ‘falta de tato’ comum em crianças com Asperger, além de aproveitar a oportunidade para ensinar o comportamento apropriado. Esse, aliás, é mais um motivo pelo qual manter a criança com Asperger sentada sempre na carteira mais próxima possível do professor é importante. Isso também ajuda o professor a monitorar bullying. É importante ajudá-las a estruturar as frases, dar modelos de frases prontas a elas. Só dizer “Isso não foi gentil.’, esperando que ela saiba o que dizer, não adianta. A ajuda deve ser mais concreta, dirigida, por exemplo: o Paulo – que tem Asperger – quer a borracha do colega e diz “Dá aqui essa borracha!”, ao que o professor intervém dizendo ao colega: ‘O que o Paulo está querendo dizer é que está pedindo sua borracha emprestada, não é Paulo? Então, Paulo, diga assim para o seu colega: ‘Você pode me emprestar a sua borracha, por favor?’… e não esperar que a criança reproduza a frase que acaba de ser ensinada imediatamente, pois ela precisará de tempo para processar a informação, além do que qualquer foco de olhares ou expectativa sobre ela a deixarão ansiosa o suficiente para não só não conseguir reproduzir aquela frase naquele momento, como ainda pode fazer com que piore a situação. Essa estratégia de não focar muito o olhar ou atenção na criança que fez algo inadequado serve, inclusive, para crianças com quadros de ansiedade em geral, e não somente para as com Asperger.

• Interpretar situações para a criança. Por exemplo, ela tropeça no pé do colega e acha que o colega ‘quis’ derrubá-la, precisando de auxílio para compreender o que houve realmente.

• Compreender as dificuldades sutis de linguagem e comunicação (por exemplo, crianças do espectro autista têm dificuldade em falar sobre si mesmas ou em formular opiniões sobre outras pessoas, têm dificuldade em compreender os turnos na conversa, ou seja, quando é a vez de quem falar, e podem interromper ou começar a falar quando deveriam fazer silêncio, por exemplo). Nunca puni-la ou expô-la socialmente. Uma boa dica para o professor lidar com situações difíceis é observar o próprio tom de voz: a criança com Asperger pode ser mais sensível ao tom de voz usado do que às palavras ditas. Quanto mais amável, baixo e amistoso o tom de voz utilizado pelo professor, mais coisas ele conseguirá com essa criança.

• Crianças no espectro do autismo também têm um pouco mais de dificuldade para assimilar o conceito de ‘eu’ e ‘você’. Assim, podem atribuir sentimentos ou ações próprias a outras pessoas, como se projetassem o que sentem no exterior. Por exemplo, elas querem tomar sorvete e dizem para você: ‘Você quer muito tomar sorvete, não é?’. Podem trocar pronomes (‘meu’ e ‘seu’, ‘eu’ e ‘você’, por exemplo), ou palavras que reflitam a troca entre ‘eu’ e ‘outro’, como dizer ‘Pergunte!’, enquanto o que queriam dizer de verdade seria: ‘Responde!’, quando esperam sua resposta para uma pergunta que tenham feito.

• Não insistir para que a criança responda uma pergunta a que já tenha demonstrado alguma relutância inicial. Perguntas pessoais são muito difíceis para essas crianças, como, por exemplo, o que fizeram no fim de semana, qual a idade ou o nome delas. Quanto mais familiaridade e intimidade com a pessoa elas desenvolvem, maiores as chances de responderem melhor, mas, mesmo assim, nem sempre o farão. Uma dica para estabelecer um bom vínculo com essas crianças, aliás, é nunca fazer muitas perguntas.

• Compreender as origens e função da rigidez e obsessão no comportamento da criança, geralmente expressa na forma de rituais, que são comportamentos repetitivos, popularmente chamados de manias. Para quem não compreende o transtorno, muita coisa acaba sendo interpretada como “manha”, quando na verdade não é. Assim, a criança geralmente não consegue ter controle sobre a insistência de cumprir o comportamento repetitivo em questão. Se ela, por exemplo, insiste em tomar água somente num determinado copo ou tem que fazer um mesmo desenho toda vez antes de sair de casa ou da sala de aula, é por que tal comportamento serve para ajudá-la a lidar com alguma ansiedade específica para a qual ela ainda não desenvolveu recursos internos suficientes que lhe permitissem lidar com a situação de outro modo, ou seja, nesse momento da vida, o cérebro dela só codifica essa forma de resolução de problemas. Assim, é preciso compreender que o não cumprimento da ação pode acarretar em descompensação psíquica e emocional¹ bastante nociva para a frágil regulação interna da criança. Esse tipo de mania obsessiva tende a melhorar com o uso de medicamentos, mas dificilmente sumirá por completo.

¹ A descompensação emocional se parece muito com uma birra típica, o que gera a interpretação equivocada das pessoas de que o comportamento se trate apenas de ‘manha’, mas, no caso dessas crianças, existem certas particularidades em como essa birra se manifesta e qual a função dela. Enquanto uma criança típica faz birra por que quer um brinquedo ou não quer ir embora do parque, a criança com Asperger faz birra porque o paninho dela está na cadeira da direita em vez da esquerda ou porque alguém encostou a mão no livro que ela estava lendo. Os motivos do que ocasionou a birra nem sempre ficam claros para os outros e algo aparentemente insignificante toma proporções gigantescas. As birras de crianças com Asperger são mais intensas e duradouras, e os efeitos do stress podem se estender por dias após o ocorrido, desregulando o sono, o apetite, o estado de ansiedade e aumentando os comportamentos típicos do autismo. Dependendo da situação, uma fobia pode se instalar.

• Analisar ou simplificar as atividades que causem alarme.

• Prestar apoio à criança nas atividades físicas, caso haja problemas de destreza, como vestir-se ou limpar-se. Como existe alguma alteração motora, deve-se ter atenção a locais potenciais para quedas ou acidentes, uma vez que essa criança tende a tropeçar bastante e bater o corpo/a cabeça em quinas ou paredes. Não é incomum que se tenha a impressão da criança ser desastrada e de observar que derruba as coisas com frequência.

• Estar preparado para os períodos de ansiedade com atividades adequadas de redução da tensão, como, por exemplo, alternar atividades de atenção com outras livres, oferecer a opção de um local mais tranquilo ou acesso a um objeto preferido. Perguntar aos pais o que é possível fazer nesses momentos, ou seja, o que ajuda nessas horas, é fundamental.

• Prestar apoio na ligação casa/escola e registrar os progressos e acontecimentos, tanto para compartilhar a informação com os pais caso notem alguma alteração no comportamento da criança em casa, como para eventuais relatórios que tenham que ser emitidos aos profissionais que acompanham a criança.

• Além do tom de voz, observar a maneira com que interage fisicamente com a criança, e o excesso de estimulação sonora, visual, tátil, olfativa ou de paladar, lembrando que essas crianças têm sensibilidades sensoriais. Quanto mais calma e delicadeza a criança perceber no trato com ela, mas acessível ela se mostrará e maior a confiança dela no professor. Beijos “estalados” perto do ouvido, abraçar a criança enquanto fala (o que acarreta em estar falando com ela com a boca muito próxima do ouvido sensível que elas têm), tirar a blusa da criança com pressa (a blusa pode passar apertada pelas orelhas e nariz, e causar dor), pentear o cabelo, escovar os dentes dela, subir demais o zíper da blusa de forma que “enforque”, por a meia e puxá-la muito (o que aperta mais os dedos na frente), enfim, tudo deve ser sempre com delicadeza e atenção aos detalhes referentes aos 5 sentidos.

• Respeitar a necessidade de isolamento da criança quando houver estímulo social em excesso (nunca forçando-a a interagir ou permanecer numa atividade de grupo), compreender o receio da criança em fazer parte de situações que a coloquem como “centro das atenções” ou exponham suas dificuldades (apresentações, perguntas para a classe toda ouvir, etc.), pois elas percebem que são diferentes e podem se retrair ainda mais socialmente se sentirem rejeição, vergonha ou cobrança excessiva sem apoio emocional, em especial pelo adulto que têm como fonte de referência e segurança no ambiente escolar, que geralmente é o professor. Castigos que expõem a criança publicamente, como chamar a atenção ou perguntar por que ela fez algo na frente de todos, ir para o canto da sala “pensar” ou escrever algo na lousa NUNCA devem ser ações adotados.

• Solicitar ajuda e respaldo técnico sempre que sentir necessidade, estabelecendo comunicação com pais, coordenação ou outros profissionais que estejam trabalhando com a criança no momento, afinal, embora lidar com crianças que fujam ao desenvolvimento típico traga benefícios, como um aumento considerável de experiência e conhecimentos acerca do desenvolvimento humano e as vitórias e sentimento de dever cumprido ao acompanhar os progressos do dia a dia, estas crianças trazem, também, um desafio que pode gerar confusão, stress e sobrecarga no professor, assim como em todos aqueles que convivam mais intensa e diariamente com a criança e estejam em posição de amparar e suprir suas necessidades. Lembrar que os pais são os que conhecem toda essa realidade em primeira mão enriquece bastante o aprendizado e o progresso de todos.

Por fim, fica a sugestão da leitura de um pequeno, porém importante, artigo (aqui – mesmo texto referido no link sobre bullying) escrito por Adriana Campos, psicóloga que vivencia a síndrome em sua prática clínica, cujo trecho trago abaixo:

“O contato com estas crianças, com quem habitualmente estabeleço uma excelente relação, leva-me a concordar plenamente com a opinião de Tony Attwood, psicólogo clínico especialista mundial em síndrome de Asperger, relativamente às capacidades e talentos dos portadores desta síndrome. A capacidade para estabelecerem relações de grande lealdade, o discurso isento de falsidades, a conversação objetiva e sem manipulação, a perspectiva original de resolução de problemas e a clareza de valores fazem deles pessoas muito especiais. Como diria este especialista, “Precisamos de pessoas com Asperger, uma vez que são mais criativos do que a população em geral. A cura para o cancro será provavelmente descoberta por alguém com Asperger!”(Atwood, T. (1998), A Síndrome de Asperger: Um Guia para Pais e Profissionais, Editorial Verbo, Lisboa., apud Adriana Campos).

Nota: trecho adaptado do português europeu para o brasileiro.

Você encontra mais sobre isso no texto: “O que o professor precisa saber sobre autismo“, no portal do programa da TV Cultura “Papo de Mãe”.

E no YouTube você também encontra a gravação completa do programa “Papo de Mãe” cujo tema foi SÍNDROME DE ASPERGER. É um programa menos “técnico”, mas repleto de informações úteis e que traz mães falando sobre a síndrome em seus filhos, com a participação de duas profissionais sobre o assunto, uma neuropediatra e uma psiquiatra infantil. Este programa oferece uma visão que pode ser bastante interessante para a escola.

 

 

 

Audrey Bueno é psicóloga, tradutora e pesquisadora nas áreas de neurociências e psiquiatria, com enfoque na síndrome de Asperger.

Possui um blog sobre o assunto, que pode ser acessado aqui: sindromedeasperger.blog